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Archive for the ‘O holandês’ Category

A excursão do inburgeringscursus III

07 - 09 - 2011 Comentários desligados

E aqui a terceira e última parte da tradução do capítulo 18 do livro Vinexvrouwen, de Naima El Bezaz.

Após horas rodando chegamos em um pequeno vilarejo. Tão bonito quanto uma pintura, tipicamente holandês, pacífico e formoso, não se parecia nada com o bairro em que eu moro. Fiquei com inveja dos moradores.

Descemos. Olhei ao meu redor. Omar caminhava um pouco mais a frente e avistava três mulheres trajando longas vestimentas. Roupas que ele nunca tinha visto, nem mesmo na Hema, a loja mais popular da Holanda.

“Elas se vestem iguais”, ele me disse.

Eu fiz que sim com a cabeça. “Isso é uma indumentária. Nem há tanta diferença entre eles e nós, mas isso você não pode falar pra eles. Eles não compreendem.”

Ele me olhou quase querendo me castigar, já que esse é o país da liberdade de expressão.

Nós caminhamos ao longo das casas características. Os jardins eram bem visíveis, nos varais algumas peças de roupas penduradas.

“Olha”, ele me disse. “Que calça singular essa pendurada ali”.

Eu segui seu dedo e descobri um pedaço de tecido que se parecia com uma calçola da Bridget Jones, mas ao extremo. Eu não podia inventar uma história sobre o que víamos. A dona da peça estava dando água às plantas em frente à porta de sua casa.

Omar voou na direção dela, com o caderninho de capa preta pressionado contra seu peito.

“Sinhora?”

A mulher, de idade um pouco avançada e trajando uma indumentária olhou com cara de indagação ao ver um grupo de alóctones em frente a sua casa.

“Sim?” perguntou ela vacilante. Deu um passo para trás.

“Eu tenho pergunta”, disse Omar, todo orgulhoso.

Seus colegas de classe praticamente se penduraram na cerquinha da casa dela, o que ela com certeza achou horroroso.

“Aquilo ali”, ele apontou para o varal.

“Sim, o que que tem?”

“Aquela roupa, a sua roupa. A senhora as pendura como os somalis fazem.”

“Vocês têm exclusividade nisso ou algo assim?” perguntou irritada.

Omar riu alegremente. Ele ia com a cara dela. Eu estava com medo de que ele fosse abrir a cerquinha para abraçá-la.

“Ela é escritora”, disse Omar e apontou para mim. “Ela escreve livros para a biblioteca”.

A mulher tipicamente holandesa olhou para mim com ar de desconfiança e depois olhou para Omar.

“O que você quer saber sobre o varal?” perguntou.

“Não, primeiro eu quero dizer: muito obrigada pela hospitalidade. Que nós podemos estar aqui em Marken. Aqui é bem pequenininho, mas bem holandês. Muito bonito. As suas roupas muito especiais. Eu também vou comprar uma dessas pra minha mãe na Somália. Eu vou dizer pra ela que agora eu vivo num país livre onde você pode fazer perguntas”.

A mulher de Marken se sentia visivelmente desconfortável. Ela queria voltar pra dentro de casa. Um grupo de alóctones em frente da casa dela não faria bem para a sua reputação, penso eu, porque vi outras mulheres de Marken balançando a cabeça negativamente enquanto olhavam para nós.

“As suas roupas. Aquela calça, sinhora. Grande calça. O que é aquilo, na verdade?”

“Os outros cursistas aprovaram e unânimes aguardavam ansiosos pela resposta. Mas o rosto dela ficou vermelho. Ela deu um passo para frente, seus olhos jorravam fogo.

“Senhor, aqui na Holanda a gente não fala sobre isso”.

Leia também:
A excursão do inburgeringscursus II

A excursão do inburgeringscursus I

A excursão do inburgeringscursus II

Parte II do capítulo 18 do livro Vinexvrouwen, de Naima El Bezaz.

A professora estava em pé ao lado do motorista com o microfone em frente aos seus lábios enquanto olhava radiante para a classe.

“Senhoras e senhores, hoje nós temos aqui uma escritora. Uma escritora é alguém que escreve. Então, não simplesmente em folhas soltas, mas livros de verdade. Livros que você pode comprar na loja ou, no caso de vocês, emprestar na biblioteca.”

As pessoas no ônibus ouviam com atenção. Na frente, sentava-se um homem alto e magro e que fazia anotações. Não tinha ninguém sentado ao lado dele.

“Muito bem, Omar”, disse a professora. “Mais um pouco e eles poderão também pedir um livro escrito por você emprestado”.

“Isso só pode ser praga de Deus”, murmurei.

“Você disse alguma coisa?” perguntou a mulher.

“Eh, não, não”.

“Muito bem. Primeiro eu vou rever o básico com eles. Naima, sente-se ali, ao lado de Omar. Ele é o homem bem preto que escreve o tempo todo. Depois eu passo a palavra pra você”.

Eu caminhei na direção do somali e desabei ao lado dele.

Uma boca cheia de dentes perfeitos e branquíssimos sorriu para mim.

“Naima, você também precisa prestar a atenção. Eu sei que você foi criada aqui, mas não totalmente. Então… a Holanda é o país da liberdade. Nós lutamos pela liberdade de expressão na guerra. Aqui tudo é tolerado, mesmo se é proibido. Somos o país da liberdade de crenças, da tolerância religiosa. Nós damos muito dinheiro aos pobres na África.”

“E ainda mais à União Europeia”, disse Omar, com um sotaque.

“Omar, você disse algo?”

Ele nega, balançando a cabeça fortemente.

“Eu acho que você falou. Pode partilhar conosco, porque nesse país você é livre, pode dizer o que quiser, pode perguntar o que quiser e sempre vai continuar sendo respeitado. Vivemos em um país feliz. Os estadunidenses pensam que os Estados Unidos é o país da liberdade, mas eles falsificaram a história deles”.

Ela me olhou e acenou.

“Agora é sua vez.”

O ônibus partiu. O motorista olhava atravessado. Eu o compreendia totalmente.

“Eh… eu sou Naima e eu tinha quatro anos quando eu cheguei na Holanda”.

“Refugiada?” perguntou Omar.

Eu fiz que não com a cabeça.

“Eles trucidaram a sua família como os hutus e os tutsis?” perguntou um outro.

Fiquei boquiaberta.

“A sua mãe se separou e casou com um holandês e por isso teve que fugir da família dela? Ela tinha medo de vingança familiar?”

“Não, Fadima”, disse a mulher ao lado dela. Turcos não são iguais aos marroquinos. Turcos matam pessoas. Marroquinos só batem uns nos outros.

“Então”, continuei.

“Mas qual é a diferença entre marroquinos e turcos?” perguntou uma bonita caboverdiana.

Omar se vriou para ela e disse: “Marroquinos são turcos com cabelos cacheados”.

“É isso?” ela perguntou.

“Eh… nós temos cachos”, respondi. “Mas os países são bem distantes e falamos idiomas diferentes. Eu acho que isso vocês sabem”.

Onde é que eu fui parar? Desesperada eu olhei para a professora. “Diga, senhora, para onde é que nós estamos indo mesmo? Talvez para Keukenhof, Madurodam ou Zaanse Schans?

A professora ficou de pé e tomou o microfone da minha mão. “Sim, meus queridos. Eu mantive o segredo por muito tempo. Porque eu e o time pensamos muito bem sobre o melhor destino para vocês e o lugar que vamos visitar chama-se Marken.

“Marken?” perguntei. “Eu havia pensado em Staphorst“.

“Hahahaha, essa é boa, Staphorst. Não, vamos pra Marken. Talvez iremos para Urk ou Volendam da próxima vez. Há tantas cidadezinhas tipicamente holandesas. Nesses vilarejos não se pode destruir nada nem construir prédios modernos. Temos que honrar e respeitar nossa história”.

Ela estava um pouco ofegante. Eu dei um passinho para o lado.

“Vai sentar”, disse o motorista. “Agora a estrada fica um pouco perigosa”.

Eu não deixei ele repetir.

“Legal, né?” disse Omar, fechando seu caderninho com capa de couro preto.

“O que você escreve tanto?”

“Tudo,” disse ele. “É tão especial poder morar num país onde você pode dizer tudo o que você quer. Sem vergonha, como na Somália. Liberdade. Eu me sinto abençoado. Allah é grande! Você conhecer Marken?”

“Não que eu saiba”.

“Você aqui já há 30 anos e conhece Marken não?” gritou uma caboverdiana que sentava atrás da gente. “Eu acho você precisa também fazer curso de integração”.

“Bem, hoje eu estou fazendo com vocês” disse isso docemente e pensei profundamente no que eu iria contar a eles daqui a pouco. O que eu sabia sobre Marken?

continua.

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A excursão do inburgerinscursus I

Abdolah me cativou

Sexta-feira de manhã. Coloco minha jaqueta, pego minha bolsa e digo ao meu colega que vou até o centro da cidade comprar um livro e já volto. No sábado é aniversário da sogra. Ela pediu L’Enquête, o novo livro do francês Philippe Claudel, recém traduzido para o holandês.

Chego na livraria, peço o livro para a vendedora para não peder tempo procurando – e voltar o mais rápido possível para a redação. No caixa, ela me pergunta se quero o livro-presente da Semana do Livro. Aceito, embora raramente leia ficção.

“De Kraai” (a gralha) me chama a atenção por ter sido escrito por Hossein Sadjadi Ghaemmaghami Farahani, um iraniano que vive na Holanda desde 1988 e assina como Kader Abdolah. Os livros escritos por ele ganham destaque na mídia holandesa, mas sempre me parecem grossos demais para despertar meu interesse. Mas já que esse livro caiu em minhas mãos e é fininho, porque não lê-lo?

“Ik ben makelaar in koffie, en woon op de Lauriergracht, no 37”. A primeira frase do livro me chamou a atenção. “Ei, isso me lembra Max Havelaar, o clássico da literatura holandesa escrito no século XIX por Douwes Dekker sob o pseudônimo de Multatuli“, pensei. Também tentei ler esse livro, em português, mas o achei muito difícil por suas idas e vindas entre a Indonésia e a Holanda e a morosidade em chegar ao clímax.

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Um idioma artificial

No vestiário, após a aula de dança:
– Te vi no trem essa semana.
– Ah, então era você! Eu vi uma menina que realmente se parecia muito com você, mas fiquei na dúvida; por isso não te cumprimentei. – respondi.
– Sim, eu também fiquei na dúvida!
– Você sempre faz esse trajeto?, perguntei.
– Não, eu tinha ido visitar uma amiga em Amersfoort.
– Ah, porque eu faço esse trajeto todos os dias. Assim, se você me ver no trem, sou eu!, disse.
Silêncio…
De repente outra mulher, que também estava no vestiário entrou na conversa:
– “Se você me ver no trem, sou eu!” – Essa frase soa um pouco rara…
As outras mulheres que também estavam no recinto começaram a rir. Uma outra olhou pra mim e disse, com um sorriso meigo no rosto:
– É claro que se ela te ver no trem é você!
E, eu, rindo e sem entender o problema, repeti:
– Claro, se ela me ver no trem, sou eu! Ou não?
Ninguém me contradisse.
Me despedi das meninas, mas fiquei com aquela conversa na cabeça.

No caminho de volta para casa, pedalando, traduzi o que havia dito em holandês para o português. Tecnicamente o que disse até poderia estar correto (se ela me visse, é claro que ela estaria me vendo), mas na minha língua materna eu jamais usaria essa frase. Talvez dissesse algo como “Se você ver alguém que se pareça comigo, é bem provável que seja eu”.

Acredito que esse tipo de falha aconteça porque o holandês continua sendo um idioma artificial para mim; simplesmente reproduzo palavras que estão armazenadas em algum arquivo do meu cérebro. E talvez seja por isso que algumas vezes uso um “ele” para me referir a uma mulher ou sento “em cima do trem” (op de trein), quando, na verdade, deveria sentar “no trem” (in de trein).

Ou você tem uma outra explicação? Se, sim, por favor, comente aqui! Estou curiosa!

Alemães que falam holandês

31 - 01 - 2011 Comentários desligados

J. curte a cultura holandesa: assiste televisão e ouve rádio holandeses, cursa holandês e sonha em morar em Amsterdã, cidade que frequenta no verão por causa dos festivais de música e teatro. Fui visitar a amiga alemã e ela me apresentou a algumas de suas amigas.

Primeiro visitamos A., que é belga. Conversamos e rimos muito em holandês. Foi uma tarde agradável em que conversamos como se já nos conhecessemos há muito tempo. Da boca de A, ouvi diversas expressões ou palavras que os holandeses que conheço não usam. Achei original quando, no final de nosso bate-papo ela falou ‘het was ontspannend!’ ao invés do ‘het was gezellig!’

Mais tarde nos encontramos com Z. num café. Logo na entrada, o barman cumprimentou J. em neerlandês: ele é flamengo. E embora Z. seja alemã, fala holandês fluente, perfeitamente e sem sotaque. A razão: o amor.

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Aprendi bastante holandês…

No final de 2008 comemorava por aqui que havia conseguido realizar o meu sonho: trabalhar na minha profissão e em holandês.

Juntamente com o mestrado em “jornalismo num ambiente crossmidiático” tive a oportunidade de, durante o ano de 2009, ser redatora do programa Laat op 2 da Radio 2.
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E não é que essa música é de holandeses!

Mais de uma e meia da manhã. Estamos no carro. Namorado e eu sonolentos e uma emissora de rádio regional embala nossa viagem. A letra é em holandês, mas a melodia e o refrão não me são estranhos.


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Um pouco de progresso…

Começo a perceber que tenho uma certa fluência no holandês. Não que fale 100% correto ou que eu não tenha sotaque. E a fluência depende muito de com quem em falo e em quais circunstâncias.

Num ambiente descontraído como no festival Over Het IJ consigo formar frases completas, as pessoas me entendem e nem sequer me perguntam de que país eu sou.

Este progresso se deve ao fato de eu poder abrir mais a boca em holandês. Tudo começou nos festivais de teatro de 2008, na condição de voluntária.
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Temporada Bostheater 2009

15 - 06 - 2009 Comentários desligados

foto: Serge Ligtenberg

foto: Serge Ligtenberg

A temporada de teatro ao ar livre no Amsterdamse Bos começou mais cedo.

Com isso, a produção do Bos Theater tenta driblar as mudanças climáticas, já que nos anos anteriores muitos espetáculos tiveram de ser cancelados por causa das chuvas de verão.

O cenário é a ilha onde vivem Próspero, Miranda e Calibã. A trupe do Bostheater interpreta De Storm.

A batateira não conseguiu compreender Sir William Shakespeare em holandês. Mas entendeu a história mesmo sem antes ter lido ou visto A Tempestade. A interpretação, o trabalho de corpo e a música são bons motivos para aplaudir de pé os atores do Bostheater. O cenário e o figurino também são surpreendentes.

De Storm fica em cartaz até nove de agosto.

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Mais teatro ao ar livre
I’m sitting in the rain
Na praia, no bosque, na fazenda

Deixa pra lá

Entro no pet shop e cumprimento o balconista com um ‘goedemorgen’. Pego alguns pacotes de ração seca, algumas latas de ração úmida e me dirijo ao balcão:

– Mag ik een anti-vlooienmiddel?
– Bayer of Frontline?
– Frontline.
– Met drie of zes pippeten?
– Drie.

Ele pega uma embalagem do produto que está na prateleira, coloca junto com as demais mercadorias, dirige-se ao caixa e faz a soma. Ele diz quanto eu devo, eu pago e ele me faz uma pergunta em voz baixa, da qual eu só ouço a última palavra: elkaar.
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